quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Avaliação de um Recurso Educativo Online

Introdução

A tecnologia trouxe até nós uma variedade de instrumentos e recursos que não se esgotam e, pelo contrário, crescem a uma velocidade indescritível, como diz Pierre Lévy “o dilúvio da informação não diminuirá nunca mais”.
No entanto, a variedade e diversidade traz as condicionantes próprias, ou seja, uma multiplicidade de recursos de qualidade, lado a lado com outros de qualidade duvidosa, que podem por vezes ser resultado da falta de preparação de quem os organiza, segundo Ennals, Gwyn e Zdrachev (1986). O nosso papel, enquanto educadores e professores, será por um lado efectuar a devida avaliação dos mesmos e por outro fazer a consequente orientação dos alunos na triagem do valor e da qualidade. Como diz Lévy “é necessário que ensinemos os nossos filhos a nadar, a flutuar, a navegar talvez”.
Outro aspecto de relevância no contexto da tecnologia será o de aproveitarmos o que a mesma nos traz, fazendo por isso um esforço para uma actualização permanente para além do ensino formal. Neste campo podemos escolher ferramentas diversificadas que apelem à motivação e sirvam como complemento dos instrumentos tradicionais e formais, os jogos são um exemplo dessa complementaridade.


Os jogos educativos

Os jogos educativos de computador constituem-se em actividade de formato instrucional ou de aprendizagem que envolva competição, baseados em regras, e são funcionalmente próximos de outros métodos construtivistas de aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento cognitivo do sujeito (Costa, Soares e Lima, 2006).
O substantivo jogo traz inerente o conceito da diversão, do lúdico e do lazer, sendo poucas vezes tido como um instrumento de aprendizagem ou consolidação de conhecimentos. Embora hoje em dia, com a variedade de jogos no mercado, o conceito tenha sofrido alguns acréscimos na forma crítica como o analisamos, o mesmo é, muitas vezes, negligenciado e pouco creditado.
A verdade é que, tal como o complemento da imagem ou do vídeo, o jogo pode servir os propósitos do professor, quando usado de forma contextualizada e servindo como instrumento complementar das aprendizagens. Conforme Silveira “os jogos computadorizados são elaborados para divertir os alunos e com isto prender a sua atenção, o que auxilia na aprendizagem de conceitos, conteúdos e habilidades embutidos nos jogos, pois, estimulam a auto aprendizagem, a descoberta, despertam a curiosidade, incorporam a fantasia e o desafio”. De facto não significa contudo que as definições de diversão e de lazer sejam afastadas, pelo contrário, estas são expressões que fazem do jogo educativo um instrumento de motivação, desafio e apreço por parte dos alunos. Segundo Vygotsky, o lúdico influencia enormemente o desenvolvimento da criança. É através do jogo que a criança aprende a agir, a sua curiosidade é estimulada, adquire iniciativa e autoconfiança, proporciona o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração.



O Jogo “Death in Rome”
Sinopse:
Em “Death in Rome” o papel do utilizador é o de um detective a investigar uma misteriosa morte em Roma, a de Tiberius Claudius Eutychus, na época do Império Romano, mais especificamente no ano 80 a.C. Para resolver o mistério o jogador tem de inspeccionar os diversos objectos e o corpo, que se encontram numa divisão de uma casa, e ir interrogando as testemunhas e os especialistas das várias áreas do saber, neste caso em Religião, Medicina, Arqueologia e História, Numismática e Gastronomia e Nutrição. Depois é juntar todas as peças e tentar descobrir o crime até ao amanhecer. O jogo tem tempo de utilização, o que me parece uma vantagem para poder ser usado em aula.
O jogo está disponível no site da BBC, é gratuito e não necessita da instalação de qualquer programa.



Integração Curricular

Faixa etária/ano curricular:
Embora o jogo possa ser jogado por várias faixas etárias, a partir dos 10 anos, considero que, em termos educativos, indo de acordo com os currículos de História, este se aplica ao 7º ano, onde um dos conteúdos é a herança do Mediterrâneo Antigo, onde se encontra o Mundo Romano no apogeu do Império. Dentro deste tema encontram-se conteúdos como a economia romana e as suas respectivas actividades, como o artesanato e a agricultura, o que faz deste recurso uma forma prática de poder analisar o tema.



Desenvolvimento de competências:
O jogo desenvolve competências ao nível do pensamento crítico, da lógica, do raciocínio e da dedução, por outro lado os alunos aprendem, à medida que vão investigando as pistas, a vida na Roma Antiga, usos e costumes em áreas diversificadas, pois existe o apoio dos especialistas do mundo moderno que explicitam e contextualizam cada objecto ou dúvida encontrados.

Estratégias de utilização:
A melhor estratégia seria jogar em grupo, permitindo desta forma que o professor fosse controlando e auxiliando os alunos, inclusivamente colmatando problemas de linguagem.
1) Formam-se pares e, numa sala de informática, cada par usa um computador e tenta resolver o crime e posteriormente partilhar as suas descobertas e os passos dados.
2) Numa sala de aula, sem o apoio de computadores, o jogo é projectado numa tela, ou num quadro interactivo, para que toda a turma possa ver. Um aluno de cada vez dirige-se à tela/quadro e escolhe uma pista, os outros podem ir tomando notas da evolução das pistas encontradas e fazer conjecturas.
O professor pode premiar o(s) aluno(s) que resolva(m) o crime e/ou aquele(s) que realizarem conjecturas coerentes e contribuírem para a resolução final, de forma a tornar a actividade mais competitiva.

Grelha de análise de Recursos Educativos
Identificação do Recurso

Título
"Death in Rome"


URL

http://www.bbc.co.uk/history/ancient/romans/launch_gms_deathrome.shtml
Autores
Suzanne Evans, Fishbourne Roman Palace
Ralph Jackson, British Museum 
Richard Abdy, British Museum
Andrew Wallace - Hadrill, The British School at Rome
Lindsay Allason - Jones, Museum of Antiquities, University of Newcastle

Responsável pela Análise

Susana Monteiro dos Santos de Sousa Fonseca


Instituição

Universidade Aberta


Domínio Técnico

Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4

Usabilidade
Nível de conhecimentos informáticos prévios
x




Função de ajuda ao utilizador




x


Navegabilidade
Velocidade de carregamento




x
Presença de menus de conteúdo visível




x
Simplicidade nos percursos de navegação




x
Conectividade
Visualização em diferentes browsers




x

Avaliação Global

4

Domínio da Interface Gráfica

Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4



Texto
Instruções claras e precisas




x
Adequada combinação de cores e imagens




x
Adequação do tipo e do tamanho de letra




x
Leitura fácil




x
Homogeneidade de estilos




x

Grafismo
Tamanho dos objectos




x
Qualidade das imagens




x

Interactividade
Incentiva uma postura activa, desafiante e motivante




x
Informação de progresso

x




Avaliação Global

4


Domínio Linguístico
Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4
Idioma
Encontra-se opção em Língua Portuguesa
x






Semântica

Adequação da linguagem aos destinatários



x

Clareza e objectividade da linguagem



x

Ortografia
Correcção linguística



x

Avaliação Global
3

Domínio Social
Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4
Violência
Ausência de conteúdos violentos

x



Valores
Relevância na promoção de atitudes positivas
x




Avaliação Global
1

Domínio do Conteúdo
Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4
Actualidade
Conteúdo actual




x
Cronologia
Apresenta coerência histórica




x
Adaptabilidade etária
Nível de dificuldade adequado à faixa etária




x
Avaliação Global
4

Domínio Pedagógico
Subdomínio
Aspectos

NA
1
2
3
4
Faixa etária
Adequação à faixa etária




x
Qualidade
Qualidade de conteúdos




x
Competências
Relevância para desenvolvimento de competências




x
Currículo escolar
Possibilidade de integração curricular




x
Níveis de aprendizagem
Respeito por diferentes tipos de aprendizagem



x

Aspectos científicos
Conteúdo com correcção científica




x
Objectivos curriculares
Pertinência de conteúdos face à natureza da temática e aos objectivos curriculares




x

Avaliação Global
4


Análise explicativa da grelha

A grelha foi construída tendo como base a leitura do manual Evaluating, Selecting and Managing Learning Resources: A Guide (excerto). A mesma teve em atenção os domínios técnico, gráfico, linguístico, social, de conteúdo e pedagógico, com alguns subdomínios particularizando os elementos.


Domínio técnico 

O ponto de partida para a utilização de uma ferramenta tecnológica, integrada numa disciplina que não esteja ligada directamente às Tecnologias da Informação, passa pela verificação da exigência de conhecimentos prévios para a utilização da mesma. Consequentemente, não havendo essa exigência, deve ser verificada a existência de funções de ajuda ao utilizador com menus de conteúdo visível e acessível. Por outro lado é importante a rapidez de carregamento, a facilidade de navegação ao longo do jogo e a possibilidade de o visualizar em diferentes browsers, pois não é universal e exclusiva a utilização dos mesmos em cada computador.

Domínio da Interface Gráfica

Neste domínio o texto, o grafismo e a interactividade ocupam lugares essenciais num recurso deste tipo. Assim sendo, é de analisar as cores, os tipos de letra, a legibilidade e a correcção do texto, tal como a qualidade e visibilidade das imagens, principalmente num jogo que requer a atenção do utilizador ao espaço envolvente e aos objectos, e às indicações/explicações que surgem em formato de texto. No que concerne à interactividade, esta foi analisada ao nível da postura por parte do utilizador e a partir do momento em que o papel de detective cabe ao próprio, a sua postura será de desafio e motivação. Relativamente à informação de progresso, embora esta exista, encontra-se de forma muito ténue, sendo mais directa quando o utilizador resolve arriscar a solução final do enigma.



Domínio Linguístico

A questão linguística é um factor de grande importância, pois sendo um jogo educativo este deve preencher determinados critérios para cumprir o seu objectivo. Se por um lado o jogo tem uma correcção linguística e uma linguagem clara e objectiva que se adapta facilmente a alunos de ensino básico com diferentes faixas etárias, tem por outro o problema da língua, pois está em língua inglesa.
No entanto, embora a questão da língua seja uma condição sine qua non, não considero de todo a peremptória exclusão do jogo por esse motivo. Neste campo podemos contornar de duas formas, uma seria a de confiar nos conhecimentos da língua inglesa que os alunos do ensino básico possam já ter adquirido, outra seria criar um processo de interdisciplinaridade. O trabalho do professor não se encerra no seu mundo disciplinar e é positiva a relação que se estabelece entre diversas disciplinas, criando pontes que facilitam o trabalho de todos e servem como estímulo ao aluno, dando-lhe uma forma de perceber que o conhecimento se constrói de diversas formas, tomando diferentes direcções e reencontrando-se em estradas paralelas. Ou seja, num jogo deste tipo, o aluno pode construir aprendizagens para a disciplina de História e para a disciplina de Inglês, e não o afirmo como mera justificativa para um detalhe que poderia prejudicar a escolha e utilização deste recurso, digo-o porque a própria língua inglesa ocupa um lugar de destaque nas sociedades contemporâneas e vemos inclusivamente a intenção do Ministério da Educação, na reforma curricular, de implementar a disciplina não como optativa, mas como obrigatória no 5º e 6º anos.

Domínio Social

Neste domínio residem questões importantes relativas à forma como vivemos em sociedade que passam pelo respeito pelo próximo e pelas diferenças de cada um. No entanto, por não haver forma de se analisar determinados parâmetros neste campo, optei apenas pela questão da violência. Aqui pode haver alguma contradição, pois o objectivo principal do jogo é o de resolver um crime, mas para além deste factor não existe directamente a promoção de violência. Por outro lado temos de nos consciencializar que a violência existe historicamente e ela é provada nos conteúdos que se leccionam, o essencial será mostrá-la, provar que ela existe, mas retirar-lhe o seu poder e aqui cabe ao educador/professor desacreditá-la e promover os valores opostos à mesma. Se ignorássemos a sua existência não poderíamos leccionar o Memorial do Convento porque nos traz os autos de fé, ou falar de batalhas e guerras históricas, como São Mamede que nos fez patriotas no condado ou como Alcácer Quibir que nos fez sebastianistas.

Domínio do conteúdo

Neste campo os aspectos mais relevantes prendem-se com a questão histórica, pois deve haver uma consistência ao nível da cronologia, sem erros factuais, tendo conteúdos actuais no sentido de estarem de acordo com a actualidade dos programas escolares. Para além disso o conteúdo deve estar de acordo com a faixa etária a que se destina, sob pena de não ser um instrumento de utilidade.

Domínio Pedagógico

O domínio pedagógico é um dos critérios mais importantes, pois representa o objectivo singular e definitivo do nosso trabalho. Por esse motivo repete-se a faixa etária, desta feita em termos de adequação, ao contrário do referido anteriormente que se prendia com o nível de dificuldade.
Depois disso o recurso deve ter conteúdos pertinentes que vão de encontro aos objectivos traçados pelo professor e constantes do currículo escolar, pois a lógica da utilização do mesmo reside aí. Se o recurso não preencher critérios como a adequação curricular ou a promoção de competências, não servirá os propósitos a que se destina, ou seja, complementar a aprendizagem de um determinado tema do currículo de História.


Avaliação global do Recurso “Death in Rome”

A importância da História enquanto ciência social e disciplina testemunha da evolução humana, é subjugada pela monotonia e associada à exposição monocórdica de um professor. Aproveitando o que a tecnologia nos traz, utilizar um jogo que exige dos alunos a aplicação de alguns e a aquisição de outros conhecimentos sobre a Roma Antiga é de todo benéfico, pois estimula o interesse e aumenta a compreensão da matéria histórica. O conceito “Edutainment” que pretende combinar a educação com o entretenimento é uma via com potencial para vencer, pois vai de encontro ao preconizado pelas teorias behavioristas.
Particularizando a avaliação do jogo “Death in Rome”, considero que o mesmo tem tudo a favor para ser integrado num currículo de História. 
Apontando os aspectos mais relevantes e positivos: o mesmo apresenta uma correcção linguística, científica e cronológica, que são factores substanciais; é um jogo acessível de utilizar, com um grau de dificuldade baixo; motivador pelo tema, ou seja, a resolução de um mistério; é interactivo, permitindo ao utilizador procurar as vozes da Roma antiga e da actual, pelos testemunhos das personagens do jogo e pelas opiniões científicas dos especialistas; tem um limite temporal, o que permite a integração numa aula; tem um design gráfico atraente e homogéneo, pelas cores e letras apresentadas, não permitindo a dispersão; permite uma aprendizagem reflexiva e indutiva pela descoberta e a exploração; apresenta uma diversidade de informação relativa à temática que se pretende, tendo por isso integração curricular, no programa de História do 3º ciclo.
Focando aspectos negativos, podemos concordar com Nielsen que, relativamente a este tipo de recursos, refere que “os alunos por norma preferem estar focados em alcançar os objectivos do jogo e negligenciam a parte da aprendizagem”, e aqui teremos um impasse, pois a forma de deslindar a verdade da premissa será colocar em prática o uso do recurso e indagar o seu êxito ou o seu fracasso, pois como se diz em bom latim “Antequam noveris a laudando et vituperando abstine”, ou seja, sem conhecer não devemos ofender ou louvar. 
O outro aspecto que se destaca, e pode trazer uma carga pejorativa, é o factor linguístico. Porém, como referi anteriormente, o mesmo pode contornar-se, criando-se um trabalho de interdisciplinaridade ou confiando nas competências linguísticas da turma, por outro lado é um dado adquirido que os alunos, na sua maioria, criaram já hábitos linguísticos ao jogar, tanto em computador como em consolas, jogos em língua inglesa.


Conclusão

Muitos são os medos e muitas as descrenças, ironicamente essas descrenças vêm daquele que maiores crenças suporta ao longo da vida, o ser humano. A tecnologia traz a dúvida em luta com a curiosidade, a crença e a aceitação em luta com o desprezo e a descrença. Os jogos continuam a ser levianamente caracterizados, no entanto estes deviam ser vistos como um elemento a ser integrado nas nossas vidas. Como diz Jane McGonigal, os jogos não nos distraem da vida real, preenchem-na com emoções, laços e experiências positivas. Eles não conduzem à queda da civilização humana, apenas a reinventam.
E no verbo reinventar surge o mote para o professor, reinventar a educação, torná-la mais apelativa, sem o desconforto da obrigação que os alunos tendem a sentir, provar que a aprendizagem é importante e pode fazer-se de diversas formas, já longe das arcaicas academias.

"Today, games have sufficiently evolved to support this fourth crucial function. Games today often have content—serious content—that directs our attention to real and urgent problems at hand. We are wrapping real problems inside of games: scientific problems, social problems, economic problems, environmental problems. And through our games, we are inventing new solutions to some of our most pressing human challenges."
Jane MacGonigal

"It is games that give us something to do when there is nothing to do. We thus call games “pastimes” and regard them as trifling fillers of the interstices of our lives. But they are much more important than that. They are clues to the future. And their serious cultivation now is perhaps our only salvation."
B e r n a r d   S u i t s

Referências:

LÉVY, P. (2000). Cibercultura. Lisboa: Instituto Piaget

COSTA, R.; SOARES, A.; LIMA, C. Jogar e Aprender: a Informática no Ensino de Álgebra Elementar. Simpósio Brasileiro de Informática na Educação-SBIE, Brasília, 2006

ENNALS, Richard, GWYN, Rhys, ZDRACHEV, Levcho. Information technology and education: the changing school. England: Ellis- Horwood, 1986.

MCGONIGAL, Jane. Reality is broken: Why games make us better and how they can change the world. The Penguin Press. New York. (2011)

NIELSEN, Simon E. (2006).  Overview of research on the educational use of video games. Center for computer games research, Digital Kompetanse

SILVEIRA, S.R. Formação de grupos colaborativos em um ambiente multiagente interativo de aprendizagem na Internet: um estudo de casos utilizando sistemas multiagentes e algoritmos genéticos – tese de doutorado - Porto Alegre: PGIE/UFRGS, 2005. Tese de Doutoramento em Informática.









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